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Elisabete Rodrigues durante a cerimónia de entrega de prémios no Dia Nacional da Imprensa 2024

Opinião

Do Sul Informação à revista DOIS, uma história de muito trabalho

5 de June de 2024

Texto de opinião de Elisabete Rodrigues, diretora e cofundadora do Sul Informação, Alentejo.Sul Informação e da revista DOIS, jornalista com a Carteira Profissional nº 1874.

O Sul Informação foi criado em 2011, em plena crise da Troika, por um grupo de três jornalistas (Hugo Rodrigues, Nuno Costa e eu própria), que acharam que não queriam fazer outra coisa senão ser… jornalistas.

O Sul Informação, que sempre foi um jornal única e assumidamente online, teve o seu primeiro site feito por um de nós, o Nuno Costa, a partir de um template WordPress, já com muitas alterações. 

De início, não tínhamos receitas, porque não tínhamos ainda publicidade. O facto de sermos um jornal «apenas» online, como frequentemente nos diziam, era olhado então com desconfiança por potenciais anunciantes. «Quando é que criam um jornal a sério?», perguntavam-nos muitas vezes. E este «a sério» significava um jornal impresso, em papel. 

Acontece que nós três tínhamos precisamente saído de um jornal impresso, que não pagava salários há meses. Um jornal com enormes dívidas ao Estado e aos seus fornecedores, sobretudo à gráfica e aos correios. Não nos queríamos meter em confusões, já tínhamos constatado, da pior forma, que as despesas fixas de uma publicação impressa são muito difíceis de suportar, para mais num país em que os índices de leitura de jornais sempre foram baixos e num mundo cada vez mais virado para o online.

O jornal surgiu, assim, em contra corrente, em plena crise, quando muitos títulos regionais fechavam. É propriedade dos seus trabalhadores, através de uma associação cultural criada para o efeito, a Página em Branco, da qual fazem parte os jornalistas, os comerciais-administrativos e ainda alguns amigos e familiares nossos que acreditaram no projeto.

O investimento inicial foi assegurado pelos nossos subsídios de desemprego (de que só dois de nós usufruíam) e pelo nosso trabalho, a todos os níveis. Para usar uma frase tão batida, foi um investimento de «sangue, suor e lágrimas». 

Graças a muito esforço, alguma criatividade, imaginação qb para ultrapassar obstáculos e inventar outros caminhos, e até a uma certa dose de loucura, o Sul Informação foi crescendo, atualizou várias vezes o seu site, lançou uma aplicação para facilitar o acesso dos leitores, apostou em conteúdos multimédia, lançou uma edição dedicada ao Alentejo (sobretudo o Baixo Alentejo), ganhou diversos prémios de jornalismo e media, assegurou parcerias, envolveu-se em questões importantes, aumentou a equipa. 

Hoje, somos quatro jornalistas do quadro, de gerações diferentes, mais dois colegas no departamento de Publicidade e Administrativo. Temos ainda dois colaboradores mais assíduos, para a área do vídeo. 

Esta equipa, sendo pequena, já constitui um encargo mensal de monta. Grande parte das nossas receitas provêm hoje da publicidade, feita por entidades públicas ou empresas privadas. 

Nos meios regionais (ou de proximidade, como penso que é melhor chamar-lhes), o facto de grande parte da publicidade ser garantida pelas Câmaras Municipais pode criar problemas, como tentativas de condicionamento do que escrevemos e publicamos. Já nos aconteceu situações dessas, às quais nunca cedemos, ainda que isso nos tenha valido, por duas vezes, perdermos importantes contratos de publicidade.

Por isso mesmo, e também porque as receitas publicitárias tendem a decrescer, temos apostado cada vez mais, sobretudo desde a pandemia, em financiamentos e candidaturas a bolsas, a nível europeu, que nos permitam desenvolver projetos no jornal, seja ao nível de novas ferramentas digitais, seja jornalísticos. 

As nossas receitas provêm ainda dos donativos dos leitores (que durante a pandemia foram fundamentais), mas, cada vez mais, de projetos e candidaturas que apresentamos, a entidades nacionais (Incentivos à Imprensa Regional), mas agora sobretudo a entidades internacionais (European Journalism Center, Google, Journalismfund Europe, etc), para financiar projetos de inovação, trabalho de reportagem, etc. 

Ao fim destes doze anos e meio de trabalho, o Sul Informação afirmou-se como o mais importante e influente jornal regional do Algarve. 

Algo que ajuda a explicar este sucesso é o facto de estar no ADN da nossa equipa fazermos trabalho jornalístico próprio, indo aos locais falar com as pessoas e conhecer as realidades, ainda que isso tenha mais custos e demore mais tempo. Tanto fazemos reportagem em Faro e Portimão, como em Monchique e Alcoutim ou Odemira e Mértola. Se há matéria noticiosa, vamos lá!

Para assinalar a nossa primeira década de vida, pensámos num projeto completamente diferente. E, em 2022 (em rigor, no nosso 11º aniversário, com o 10º aniversário atrasado um ano por causa da pandemia), lançámos a Revista DOIS, uma revista impressa, anual, com grande qualidade gráfica e com conteúdos intemporais, incluindo grande entrevista, grandes reportagens, crónicas de personalidades conhecidas, fotografia de alta qualidade, sugestões de lifestyle, etc. 

Ou seja, a mesma equipa que faz o jornal online Sul Informação, todos os dias e a todas as horas, resolveu comemorar uma data marcante lançando um projeto completamente diferente e, de certo modo, contra corrente: uma revista impressa. Foi um sucesso! A revista teve uma primeira edição de 5000 exemplares, foi distribuída em todo o país, e vendeu, em banca e por encomenda direta, perto de 1500 exemplares. Em Junho de 2023, repetimos a dose, com o nº2 da DOIS, e o sucesso manteve-se, muito idêntico. Já estamos a todo o vapor a preparar o nº3 da DOIS, a lançar no início de Julho próximo. 

Neste momento, estamos também na fase final de construção de um novo site para o Sul Informação, feito de raiz, mas que, obviamente, irá incorporar todos os conteúdos publicados desde Setembro de 2011. O nosso atual site, que data dessa altura, já tem tantos remendos, tantas alterações e correções, que achámos melhor fazer um site novo, construído de raiz, que nos permita não só apresentar um novo layout, como novas e mais interativas funcionalidades, que melhorem a experiência dos nossos leitores. Em Setembro próximo, será lançado este novo site.

Mas, porque o futuro dos media se apresenta instável, para não dizer negro, entre a equipa do Sul Informação/Revista DOIS temos discutido possíveis soluções, desenvolvidas tendo em conta as especificidades da imprensa regional, e, no caso, da imprensa regional online.

Assim, consideramos que a implementação de assinaturas digitais, tendo em conta a nossa experiência no Sul Informação, poderia ter efeitos negativos. 

É que os hábitos de leitura de jornais estão a diminuir, pelo que implementar uma Paywall no contexto atual será, na nossa opinião, mais um impedimento no acesso a informação credível, tendo em conta a falta de hábitos de consumo de notícias, em especial pagas, em Portugal.  

Por outro lado, a implementação de uma paywall requer equipas de desenvolvimento e de análise de dados não compatíveis com equipas pequenas, como a dos jornais regionais. Além disso, os sistemas “chave na mão”, como o Piano.io, têm planos de custos incomportáveis para jornais regionais. Só poderiam ser implementados se houvesse apoios significativos para tal.

No entanto, consideramos que poderia ser útil que os donativos voluntários dos nossos leitores (que são uma importante fonte de receita para nós e significam o engajamento desses leitores na vida do jornal) pudessem ser considerados para efeitos de IRS, como se prevê em relação aos gastos com assinaturas de jornais. Ou seja, que os donativos pudessem ser considerados nas deduções ao IRS dos leitores que os fizessem.

Há ainda que promover a adaptação dos Incentivos à Imprensa Regional, integrando critérios pensados especificamente para jornais digitais, tendo em conta que os atuais são pensados para jornais impressos em fase de digitalização.

Defendemos ainda que deve ser criado, pelo Estado, de forma transparente e independente, um fundo de financiamento para trabalhos jornalísticos de investigação da imprensa regional. Ou seja, os apoios não seriam atribuídos às empresas proprietárias dos meios regionais, mas antes ao seu trabalho jornalístico, através da apresentação de candidaturas (com duas calls anuais), a serem apreciadas por um júri independente e reconhecido. 

Os objetivos deste fundo de financiamento seriam promover o trabalho jornalístico de qualidade na imprensa regional, acrescentar valor aos jornais regionais e acrescentar notoriedade aos conteúdos produzidos.

A situação financeira, equilibrada e saudável do Sul Informação, que resulta de muito trabalho e muita luta, é hoje uma raridade, senão única, no panorama da comunicação social do Algarve e do país. Mas temos de estar sempre atentos, sempre em busca de novas oportunidades e formas de financiamento, para manter um trabalho que honre o jornalismo e a região onde nos inserimos. Não é fácil!

Porque não queremos viver num deserto noticioso, espero que o nosso exemplo possa inspirar outros meios do Algarve, e não só, a apostar num projeto de jornalismo sério e independente. O Algarve, Portugal, precisam de mais e melhor jornalismo!