No ano em que celebramos cinco décadas da revolução de abril de 1974, impõe-se uma reflexão urgente sobre o futuro da Imprensa e da democracia em Portugal.
Vivemos numa era em que a informação é uma moeda poderosa. Apesar disto, os últimos anos têm sido marcados por sucessivos desafios para o setor, que ameaçam a viabilidade das empresas jornalísticas: aumento do custo das matérias-primas, quebra acentuada das receitas publicitárias, falhas reiteradas do serviço postal universal, alterações dos padrões de consumo, e, mais importante, falta sistemática de políticas públicas e de medidas estruturais e consistentes para o setor.
As notícias sobre o Global Media Group trouxeram para a praça pública a discussão sobre as dificuldades vividas pelas empresas jornalísticas. Mas são apenas a ponta do iceberg. Mais de metade dos concelhos em Portugal é ou está na iminência de se tornar num deserto de notícias, ou seja, de não ter quaisquer jornais ou rádios aí sedeados.
Tem sido nos territórios mais distantes das grandes cidades, nomeadamente nos de baixa densidade populacional, que temos assistido à morte lenta de dezenas de títulos de jornais. A par de concelhos sem um único título de imprensa de proximidade, em alguns municípios, onde a desertificação e o envelhecimento da população crescem a dois dígitos, é impossível comprar jornais ou revistas, uma vez que todos os pontos de venda fecharam.
O jornalismo de proximidade é a “cola” dos cidadãos à sua comunidade. É o que permite escrutinar o poder político local e regional.
O jornalismo de proximidade é a “cola” dos cidadãos à sua comunidade. É o que permite escrutinar o poder político local e regional, sobretudo numa época em que câmaras municipais e autarquias têm máquinas de comunicação muito oleadas, capazes de fazer chegar informação “não filtrada” às suas populações. Sem jornalismo de proximidade não está só em risco a coesão social e territorial: existe uma ameaça séria de manipulação e desinformação, que põe em causa 50 anos de democracia e direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa.
Incompreensivelmente, o Estado, que se mostra tão empenhado em celebrar abril, nada tem feito para defender a Imprensa. Pelo contrário, temos assistido a um total alheamento e desinteresse do poder político pelos problemas que têm contribuído para a crise a que hoje assistimos no setor. Um relatório recente da Comissão Europeia revela que o Estado português gastou em 2022, em apoios diretos e indiretos aos media privados, 40 cêntimos… menos do que o preço de um jornal. Na União Europeia, em países como Luxemburgo, Bélgica, Dinamarca, Áustria, Suécia, Itália e França, este apoio oscila entre os 16,5 e os 5,3 euros per capita.
Temos assistido a um total alheamento e desinteresse do poder político pelos problemas que têm contribuído para a crise a que hoje assistimos no setor.
A Associação Portuguesa de Imprensa é defensora de um modelo de financiamento das empresas jornalísticas por parte do Estado à semelhança do que já acontece nestes países. Não faz sentido continuar a protelar este apoio sob o pretexto de que põe em causa a independência editorial dos órgãos. Assim como ninguém questiona a independência editorial da rádio pública, da televisão pública ou da agência de notícias do País, invocar que a autonomia e a liberdade editoriais ficam comprometidas com medidas de apoio transparentes é uma desculpa sem sentido. Se assim fosse, não veríamos os auxílios à imprensa a multiplicarem-se nas democracias mais avançadas do mundo sem afetar a sua independência.
Os títulos históricos que são referência internacional e os novos projetos editoriais consolidam nessas geografias as suas marcas de informação graças a medidas que os defendem e que reconhecem o seu contributo insubstituível no fortalecimento das democracias. A defesa da imprensa obriga a medidas corajosas que permitam a sua sustentabilidade económica e social. Só assim será possível reforçar as condições que lhe permitem cumprir o seu papel no presente e no futuro.